terça-feira, 5 de julho de 2011

"Ivete a Bordo?"

"Caros Srs.,

sou controlador de tráfego aéreo -- e não "de voo", como nos denominam a reportagem e as autoridades entrevistadas -- apesar de exercer função administrativa. Cumpre-me, por dever de classe, expor os seguintes fatos:

1. A imprensa interfere negativamente a sua finalidade social quando faz denúncias as quais não possui adequadas informações. Neste caso, vocês apenas tinham um fato crítico, sim, inapropriado, mas isso não se configuraria propriamente na denúncia;

2. a informação é inadequada e imagens não se coadunam com a abertura do texto dos âncoras. As imagens são eminentemente do Aeroporto de Congonhas e de órgãos de controle de tráfego aéreo militares, onde efetivamente ocorreu o fato, mas a denúncia cita *controladora de tráfego aéreo de Guarulhos*, onde o serviço é prestado pela Infraero no Aeroporto Internacional de São Paulo, e totalmente civil, revelando um lapso técnico de edição da matéria e na correria para colocá-la no ar;

3. A chamada inadequada "Ivete a bordo?" da colega controladora -- hoje uma "Supervisora de Equipe" com apenas seis anos de atividade, que ou é uma gênia do ATC (Controle de Tráfego Aéreo, em inglês) ou o Prestador de Serviços-mor está sem recursos humanos competentes disponíveis -- foi aceita e ampliada pela tripulação da aeronave, o que já configura também uma continuidade e ampliação também da violação de regras de proteção deles mesmos;

4. É de causar estranheza que a Organização Militar responsável pela Defesa Aérea (âmbito militar) e pelo Controle do Espaço Aéreo (âmbito civil)tenha lasseado suas próprias bases de Hierarquia e Disciplina a ponto de permitir que a controladora, ou qualquer outro colega do efetivo nacional, se sinta confortável nessa forma de uso de frequências exclusivas ao trabalho de separação dos tráfegos sob sua jurisdição e prestação do serviço de alerta a quem necessite;

5. É lugar-comum a idéia de punição pela violação das regras, mas, pelo exposto acima, todo, repito, todo o sistema de controle de tráfego aéreo nacional está comprometido com o fato-alvo da reportagem não só com sua parte mais visível e "denunciada" pela reportagem. A denúncia poderia se estender a perguntar porque um membro específico de uma atividade que envolve altos riscos não só a vidas, mas a investimentos bilionários da indústria aeronáutica nacional e internacional, se sentiu confortável para a "tietagem", como disse a reportagem.

6. Será que já não é o momento do Governo rever as bases com que o Serviço d
e Controle de Tráfego Aéreo vem sendo prestado no país? Se o acidente de setembro de 2006 não foi suficiente para engatilhar esse repensar, quem sabe esses pequenos "confortos" momentâneos o obriguem a uma tomada de posição. Punir exemplarmente a controladora, sem reorganizar as forma que esse Serviço vem sendo prestado no Brasil é o mesmo que tirar o sofá da sala ao se pegar o conjuge em ato de traição sobre ele, aproveitando a piada popular.

7. Será que as poucas maravilhas técnicas que a Organização Militar permite que o "resto da sociedade" veja é suficiente para acalentar a ânsia nacional por Transparência Pública também nesta prestação de serviço que é Pública? Quais as informações de projetos em andamento, de órgãos de controle ou de tipos de prestação (TWR, APP ou ACC, informação, controle, vigilância, alerta etc), da jurisdição nacional ou dos setor
es de controle, de ingresso na carreira, com informações em Inglês ou Espanhol como significado de espalhar boa informação (até pra vocês da Imprensa) o sitio eletrônico do Provedor-mor propicia a sociedade? Compare-se isso com o que de informações provê a ANAC ou outros Provedores de Serviços de Controle de Tráfego Aéreo internacionais e verão o quanto esse é um mundo obscuro.

Infelizmente, a matéria da Rede TV esconde mais do que revela no seu afã denuncista e competitivo por audiência. Não faz jornalismo e nem informa, já que trunca tudo e põe no palco iluminado do telejornal brasileiro o ator mais jovem, menos experiente sem condições alguma de entender a confiabilidade social que o Controlador de Tráfego Aéreo, junto com os pilotos, dá a Indústria da Aviação. Ele é, junto com os pilotos, o mais exigido (zero erro), o que trabalha com condições mais inadequadas e, pior, o que no Brasil não tem nem profissão regulamentada e formação compatível com os novos tempos e novas tecnologias que tem que lidar, e muito menos recebe salário compatível com a sua responsabilidade e exigências.

A matéria abriria campo para tudo isso, se não fosse denuncista e apontar culpados na ponta do sistema.


Atenciosamente,


Bemildo Ferreira
ATCo Lic. 3100

Um comentário:

Bemildo Ferreira disse...

A propósito, a controladora da figura acima não é a mesma controladora da "reportagem jornaleira", ou seja, do tipo que visa mais vender jornal do que informações). Seu nome é Raquel e é a controladora que foi elogiada diretamente pelo Comandante da Aeronáutica pela atitude profissional ao suportar dignamente a pressão na fonia de um tráfego taxiando para decolagem bem próximo a hora de fechamento do Aeroporto em que trabalha.