domingo, 26 de outubro de 2008

Dia da aviação brasileira: “Ambiente de trabalho está pior”, diz Federação dos Controladores

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Diz-se que o grande aviador, Santos Dumont, numa expressão de profundo rancor por ver seu invento sendo utilizado para fins militares, suicidou-se em 1932. Até hoje ele é considerado um herói nacional e tem sua história celebrada neste 23 de outubro – Dia da Aviação e do Aviador.


Há dois dias comemorou-se, também, o Dia Internacional do Controlador de Tráfego Aéreo (20 de Outubro), mas para estes profissionais, segundo o advogado da Federação Brasileira das Associações de Controladores de Tráfego Aéreo (Febracta), Roberto Sobral, não há o que comemorar.

De acordo com o advogado, o ambiente de trabalho está pior e a aviação brasileira ainda se submete à insegurança e ao risco de mais acidentes aéreos.

Em entrevista ao Contas Abertas, Sobral revela o atual cenário de trabalho, as condições adversas a que os profissionais estão sujeitos e as mazelas que rondam o setor.

“Estes homens e mulheres, que todos os dias respondem pela segurança do setor aéreo, continuam trabalhando sob forte pressão”, justifica.

O advogado lamenta ainda a morte do controlador Humberto Curcio Gomes na Torre de Controle do Galeão (RJ) no último dia 18, vítima de um ataque cardíaco fulminante.

Sobral afirma que o controlador sofria sérios problemas de saúde, resultado de uma “carga anormal de trabalho”.

O controlador de tráfego aéreo (CTA) veio a ser mais conhecido nos últimos anos sob o risco de se tornar um dos grandes vilões da história da aviação, após os acidentes com os aviões da Gol e da TAM.

No Brasil, a atividade do CTA ainda não é reconhecida como profissão. De acordo com a Febracta, existem hoje cerca de três mil controladores no País.


Confira a entrevista abaixo

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Contas Abertas (CA) - Na época dos acidentes dos aviões da Gol e da Tam, muito se discutiu a respeito do ambiente de trabalho e da tensão na qual os profissionais exerciam suas funções.
De lá para cá, o ambiente foi normalizado ou ainda tem características do passado?
Roberto Sobral – O ambiente de trabalho não poderia estar pior.
Nossos controladores continuam a receber carga excessiva de trabalho e em condições ainda mais adversas.
Em primeiro lugar, foram afastados todos aqueles mais experientes, portanto, melhores qualificados tecnicamente para identificar as falhas de sistemas e apontar as necessidades de correção.
Estes continuam sofrendo perseguições absurdas e ilegais, e sendo afastados da função de controle de tráfego enquanto vão sendo substituídos por jovens inexperientes, que acabam comandados sob o mesmo ambiente hostil.
Segundo, a qualificação de CTA não deriva de “ordem militar”.
Se uma falha do sistema de controle puser em risco a vida de passageiros, tripulantes e população sobrevoada, é dever do controlador registrar a falha em livro oficial, para que o fato se torne de conhecimento de todos e as medidas corretivas sejam imediatamente adotadas.
Mas o Comando da Aeronáutica passou a cercear o dever que deriva da liberdade profissional dos controladores, impedindo até que se registrem as falhas que representam riscos para a vida humana, tudo para demonstrar uma falsa segurança apta a justificar a permanência do controle militar em lugar de uma administração civil, fato que só ocorre em países como Togo e Gabão, todos de pequeno porte na atividade. Terceiro, embora o stress decorrente da tensão operacional seja inerente à profissão, o que não se admite é que pessoas sem condições de saúde estejam submetidas a um trabalho delicado em que milhares de vida estão literalmente no ar à espera de orientações.
Sábado passado (18/10), faleceu um controlador com 30 anos de serviço na posição operacional da Torre Galeão, vítima de um ataque cardíaco fulminante.
Ele sofria de sérios problemas de saúde, situação reconhecida por Documento de Informação de Saúde da própria Aeronáutica, que, de modo absurdo, mantinha aquele homem debaixo do stress de uma carga anormal de trabalho.
Por ironia do destino foi sepultado no dia em que se comemora internacionalmente o dia do CTA (20/10). Estamos arrazoando sobre as causas deste falecimento, pois o controlador tinha tempo se serviço suficiente para que fosse encaminhado a atividades menos estressantes.
CA - O que mudou desde o acidente da Gol com o jato da Legacy em termos de estrutura física, equipamentos e etc.?
Roberto Sobral – Por força de tudo que tem sido apontado pelos controladores – ausência de sinal radar em determinadas regiões, falhas do sistema, problemas de comunicação por deficiência do sistema de rádio, e outras deficiências –, alguns órgãos de controle (Torres e Centros de Controle) estão sendo revitalizados, como o Centro de Controle Brasília.
A Aeronáutica montou uma grande força-tarefa para trabalhar na manutenção dos equipamentos, mas ainda há carência de controladores e técnicos em manutenção, bem como de engenheiros especializados.
Há muitas evidências de incompatibilidades técnicas entre alguns equipamentos.
É comum ainda haver, por exemplo, pistas radares falsas, troca inadequada de informação entre as etiquetas radares, falhas de comunicações e evidente carência de recursos humanos capacitados para o trabalho.
CA – A aviação brasileira está predisposta a novos acidentes aéreos?
Roberto Sobral – O afastamento de muitos controladores experientes, que reportavam as panes, agrava sobremaneira a situação de risco.
O processo de “obsolescência forçada” desses profissionais é criminoso. Considerados causadores dos problemas e identificados como lideranças negativas em pronunciamentos oficiais, são os que dispararam, de fato, o processo de mudança em razão das suas reclamações técnicas.
Ao anular a participação dos controladores experientes, dotados de qualificação especializada fundamental para a concepção e implemento das novas tecnologias, o que se tem é um cenário futuro de perpetuação de riscos.
Sem falar na clara tendência de acentuado abandono da profissão por quase todos os remanescentes controladores mais experientes, em sua grande maioria em preparação para outros concursos públicos, em busca de uma saída digna para a atual situação de subjugo, humilhação e constrangimento.
Disto resulta incremento de insegurança e risco, que lamentavelmente se concretizam em mais acidentes aéreos.
CA - A presença de rádios piratas próximas de aeroportos é um problema para o desempenho do trabalho dos controladores de vôo?
Roberto Sobral – A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) criou uma campanha para conscientizar a população sobre o risco que estas rádios piratas representam para a aviação, principalmente no momento de aproximação das aeronaves em São Paulo. Entretanto, a quantidade de rádios piratas é enorme e demandará muito mais esforços para restringir as suas utilizações.
CA - Quais foram efetivamente as punições impostas aos controladores naquelas oportunidades, tanto aos que trabalhavam nos dias dos acidentes quanto aos que se rebelaram exigindo melhores condições de trabalho e remunerações?
Roberto Sobral – Os controladores envolvidos no acidente estão respondendo na Justiça Federal e aguardando o pronunciamento da Justiça Militar sobre a aceitação ou não da denúncia oferecida pelo Ministério Público Militar.
Estes serão julgamentos inéditos em duas cortes sobre o mesmo suposto crime, provando mais uma vez a incompatibilidade entre a carreira militar e o controle de tráfego aéreo, atividade reconhecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como de natureza civil. Quanto aos envolvidos na paralisação, oito controladores de Manaus foram condenados pela Justiça Militar e irão recorrer ao Superior Tribunal Militar.
Em Brasília, seis controladores foram denunciados e estão aguardando o julgamento.
Em Curitiba e no Rio de Janeiro 15 foram indiciados e existe a expectativa de indiciamento de mais quarenta e um controladores. Existem também controladores que não foram denunciados à Justiça Militar, porém foram afastados do controle de tráfego aéreo, caracterizando assédio moral e abuso de autoridade.
Os controladores afastados são, na sua grande maioria, representantes de associações ou da Febracta, ferindo o direito constitucional de livre associação.
Enquanto isso, o Ministério Público Militar nada fez contra um só Oficial da Aeronáutica, apesar dos inúmeros crimes por eles cometidos. Foi necessário mais de um ano de intenso trabalho na esfera jurídica para que pudéssemos submeter ao Supremo Tribunal Federal duas Ações Penais em que denunciamos os crimes cometidos por integrantes do Alto Comando da Aeronáutica.
CA - Na época da crise aérea se discutiu possíveis falhas de comunicação em inglês entre as torres de controle e os pilotos. Como era e como é hoje a preparação do controlador de vôo para operar os equipamentos de origem estrangeira e para se comunicar com os pilotos?
Roberto Sobral – A evolução é gradativa e lenta, devido, principalmente, aos muitos anos de preparo sem efetiva instrução da língua inglesa.
Hoje, investimentos estão sendo feitos apesar de ainda não contemplarem todos os órgãos de controle.
Outro ponto positivo, é que se passou a exigir nível intermediário de conhecimento da língua inglesa para o ingresso na carreira, antes nem o conhecimento básico era exigido.
Entretanto, somente com o retorno imediato dos controladores mais experientes estaríamos superando o vazio que nos separa da meta exigida pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), que, de algum modo complacente, adiou o teste para 2010.
Se mais acidentes sobrevierem até lá, e mais mortes se produzirem, ouviremos da Aeronáutica que tudo está conforme a OACI, já que o novo teste só será realizado em dois anos.
CA - Como a associação analisa o caso dos pilotos americanos do jato Legacy, que até hoje tramita na Justiça brasileira?
Roberto Sobral – Estamos decididamente focados na defesa dos nossos controladores e na demonstração das falhas sistêmicas que resultaram naquela tragédia, e que cotidianamente têm gerado situações desnecessárias de risco, em face de todo um quadro de ilegalidades que não tem recebido qualquer resposta séria das instituições oficiais.
Mas acreditamos que dificilmente os pilotos deixarão de ser condenados.
CA - Existem, de fato, “buracos negros” no espaço aéreo brasileiro? Como a associação avalia essa questão - isso não continua sendo um risco para os usuários?
Roberto Sobral – Apesar das afirmações das autoridades militares, de que buracos negros não existem, considerando conceitualmente que há cobertura radar na região Amazônica, onde se dá uma superposição de responsabilidades entre os Centros de Controle Amazônico e de Brasília. Quem controla a região – o Controle de Brasília – ainda não tem recepção de sinal radar e tem graves deficiências de comunicação entre controladores e pilotos, impossibilitando a visualização radar e a comunicação na região.
Evidencia-se, assim, a necessidade de consertar uma anomalia sistêmica, repassando o sinal radar de Manaus para Brasília, bem como o sinal das comunicações que Manaus recebe.
Em março de 2007, foi disponibilizado o sinal radar para Brasília, entretanto, como ainda existem algumas informações radares falsas na região é aconselhável a não utilização do equipamento, pois o risco existe quando, em qualquer circunstância, o controlador utiliza uma informação que não é confiável.
Amanda Costa e Milton Júnior
Do Contas Abertas
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