quarta-feira, 25 de julho de 2007

O cientista que explicou o desastre da Challenge

===================================

O cientista que explicou o desastre da Challenger, artigo de Fernando Reinach

A conclusão de Feynman foi que o acidente já era esperado pelos técnicos da Nasa, mas que ninguém havia assumido a responsabilidade de tomar as medidas necessárias para evitar o acidente Faz muito tempo, em um país distante, uma aeronave explodiu matando todos os passageiros.

O presidente decretou luto e pediu uma investigação isenta.
Foi nos EUA em 1986. O presidente era Ronald Reagan, e aaeronave, o ônibus espacial Challenger.
Na investigação estava em jogo a credibilidade da Nasa e o poderio tecnológico dos EUA.
Mas ao escolherem os membros da comissão, Washington cometeu um erro. Nomeou o físico Richard Feynman, uma das mentes mais brilhantes e irreverentes da comunidade científicanorte-americana. Feynman, que havia trabalhado no projeto da bomba atômica, recebido o Prêmio Nobel por seustrabalhos teóricos e estava com câncer em fase terminal, aceitou o desafio.
No dia seguinte da nomeação, para surpresa dos outros membros da comissão, ele mudou de mala e cuia daCalifórnia para um hotel que ficava praticamente dentro da Nasa.Enquanto a comissão iniciava a tomada de depoimentos, Feynman, usando as prerrogativas concedidas por Reagan, passou a circular livremente dentro da Nasa, conversando com engenheiros, pedindo para ver papéis,filmes e fotos, e trocando idéias com técnicos.
Uma semana depois, em uma das primeiras audiências públicas da comissão, esperou por um momento em que ascâmeras de televisão se voltaram para ele e pediu um copo de água gelada. Retirou do bolso dois pedaços de borracha e explicou que eles faziam parte do sistema de vedação dotanque de combustível. De outro bolso retirou duas pinças metálicas e comprimiu as duas amostras de borracha.Colocou uma no copo de água por alguns momentos. Então soltou as pinças que comprimiam os fragmentos deborracha. A amostra resfriada demorou para voltar ao formato original. A que permaneceu na temperatura ambienterecuperou sua forma imediatamente.
Feynman explicou que a Nasa sabia que a nave não deveria decolar em dias frios, mas no dia do acidente atemperatura era próxima a 0°C. Como estava frio, o anel de borracha estava rígido e não teria acompanhado as microdeformações queocorrem no tanque de combustível durante a decolagem. Isso provocou o vazamento de combustível. O combustível pegou fogo e a Challenger explodiu.
Foi uma aula simples e didática. Os outros membros da comissão - que representavam os interesses da Nasa, do governo e das empresas quehaviam projetado e construído as diversas partes da Challenger - ficaram felizes. Não precisavam mais continuar tentando passar a culpa adiante. Em uma semana haviam descoberto o culpado: um pedaço de borracha.
Trabalho terminado.
Mas Feynman se recusou a assinar a primeira versão do relatório e não arredou pé de seu hotel perto da Nasa. Se Reagan havia concedido quatro meses para as investigações Feynman estava disposto a utilizar os outrostrês meses para descobrir de quem era a responsabilidade de aquele anel de borracha estar onde estava quando a Challenger decolou. A culpa não poderia ser do anel de borracha.Feynman descobriu que anos antes os engenheiros haviam detectado o problema com o anel e avisado seussuperiores.
Descobriu que muitos vôos haviam sido cancelados por causa da baixa temperatura, mas aos poucos osadministradores ficaram confiantes e aceitaram, por ignorância ou irresponsabilidade, riscos cada vez maiores.
Descobriu que em outros vôos o anel de borracha já havia falhado. Que no dia do acidente os engenheiroshaviam alertado que o risco era alto pois a temperatura estava baixa.
Descobriu que os administradores da Nasa estavam sob pressão para demonstrar que o ônibus espacialpoderia se pagar levando satélites comerciais para o espaço. Que técnicos tinham avisado que não era ético colocar em órbita uma professora primária só para fazerpropaganda. As essas pressões levaram a Nasa a operar a nave fora das condições de segurança. Riscosinaceitáveis foram aceitos.
A conclusão de Feynman foi que o acidente já era esperado pelos técnicos da Nasa, mas que ninguém havia assumido a responsabilidade de tomar as medidas necessárias para evitar o acidente. No relatório oficial, o anel de borracha recebeu grande parte da culpa, mas em seu relatório, que Feynman entregou em separado, ele termina dizendo que "a realidade precisa ter precedência sobre as relações públicas porque a natureza não pode ser enganada".

Feynman voltou para a Califórnia, e morreu. Essa história está descrita em Genius: The Life and Scienceof Richard Feynman de James Gleick, Pantheon, NY 1992. (O Estado de SP, 19/7)

Fernando Reinach (mailto:fernando%40reinach.com) é biólogo. Artigo publicado no Estado de SP


==================================

Nenhum comentário: