quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

momento de extrema preocupação .......

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Caros Amigos.....
Num momento de extrema preocupação com os acontecimentos, não tive outro jeito de acalmar minha insatisfação, senão de usar da liberdade de expressão para, quem sabe, contribuir com a melhoria do cenário onde padece o ATC.
Não conclamo ninguém a fazer o mesmo, porém espero que leiam, entendam e reflitam.
Nessa carta enviada à jornalista Eliane Cantanhêde, expresso minhas preocupações diretamente ligadas à segurança aérea, não buscando com isso tirar proveito dos processos reivindicatórios da classe. Até porque, qualquer mudança estrutural que faça migrar da classe ATC para a categoria ATC, não iria trazer benefícios para um suboficial da reserva.

João Pessoa, 30 de janeiro de 2008.
Cara Jornalista Eliane Cantanhêde,
Saúde a você.

Aprecio seu empenho em buscar respostas para todos os males advindos da abertura dessa "Caixa Preta de Pandora" em que se transformou o tráfego aéreo brasileiro. Sinto que os agentes destinados à prevenção de acidentes afinaram-se mais com Epimeteu (aquele que reflete tardiamente) e muito, muito menos com Prometeu (aquele que prevê). Quiçá com o esclarecimento que você brilhantemente leva aos seus leitores, esses Titãs a vejam como a Atena renascida que veio para dar o espírito que falta aos homens, o espírito SIPAER.
Vou tentar ser sucinto na explanação para você enxergar de uma maneira clara, fatos importantes que vêm sendo desprezados, e de posse dessa visão, enriqueça ainda mais seu conhecimento para esclarecer, de uma forma mais completa, o leitor leigo, traduzindo essa "conversa de grego" que sempre tenta sem sucesso explicar o tráfego aéreo.
Como você já sabe, as regras do controle de tráfego aéreo foram elaboradas basicamente tendo como pontos de partida as experiências, os acidentes e incidentes vividos pela aviação mundial, em toda a sua história. Essas regras foram compiladas e são constantemente aperfeiçoadas pela OACI e circulam no meio aeronáutico como "recomendações" aos países membros, de cujo grupo o Brasil é signatário. Pois bem, até ai nada de novo, não? Então continuemos.
O Brasil através do DECEA acata essas recomendações, que são encaradas como regras internacionais e adiciona a elas algumas regras específicas decorrentes das particularidades brasileiras, como a estrutura do SISCEAB que define a capacidade de tratamento e absorção do volume de tráfego aéreo dentro do território nacional. Pois bem.
Os órgãos de controle, subordinados ao DECEA, através de seus documentos, aplicam essas regras e adicionam normas específicas à sua operacionalidade, que estão diretamente ligadas às particularidades locais e são apresentadas em um compêndio chamado "Modelo Operacional". Dentro do "Modelo" há informações diversas sobre a utilização de meios, aspecto topográfico local, recursos técnicos instalados na área sob sua jurisdição e diretrizes que apontam detalhadamente como enfrentar a "Degradação de Sistemas", específicas para falha de radar, falha de freqüência de rádio, agrupamento e desagrupamento de setores, operação não-radar, carga de trabalho e complexidade do setor, entre outros.
Pois bem cara Eliane agora o X da questão:
Nos dias de hoje a Aeronáutica não admite que o controlador empregue procedimentos legítimos criados para enfrentar a tal degradação de sistemas, pois, mais do que a insegurança aérea, ela teme pela constatação pública de sua real ineficiência no ato de gerenciar. No ímpeto de safar-se dessas pechas, deixa literalmente uma bomba nas mãos do controlador enquanto salvaguarda- se em documentos válidos, porém verbalmente proibidos. Descumpre e descarta procedimentos de segurança emitidos pela OACI em seus anexos, desprezando décadas de experiência mundial, criando seus próprios e inconseqüentes critérios de habilitação operacional de controladores. As diretrizes militares da Força sobrepujam as necessidades da Aviação Civil.
Essa falta de visão técnica e especializada tem sua razão de ser. Credito ao processo de degradação dessa capacidade de gerenciamento técnico da Aeronáutica, a longo prazo, ao fechamento da Escola de Oficiais Especialistas de Curitiba em 1982, pelo então Ministro da Aeronáutica, o brigadeiro Délio Jardim de Matos. Essa medida, aliada ao contingenciamento de verbas acabaram por restringir as operações aéreas militares (incluindo o Correio Aéreo Nacional) e lotar de leigos os órgãos e departamentos ligados ao Controle de Tráfego Aéreo. Os Aviadores então ociosos, mas investidos de seus status dentro da Força (elite), impossibilitados de voar, passaram a deliberar e a preencher cada vez mais as lacunas deixadas pelo esvaziamento do quadro de Oficiais Especialistas. Consciente do erro cometido, a Aeronáutica tardiamente tratou, depois de 10 anos, de transformar às pressas, especialistas graduados em oficiais especialistas, mas o erro já deixaria seqüelas. Hoje no quadro de Oficiais Especialistas em Controle de Tráfego Aéreo começam a surgir as primeiras promoções a major, em quantidade ainda inexpressiva para reassumir os "postos-chave" perdidos ao longo do tempo. Esse quadro é composto em sua esmagadora maioria de tenentes e capitães. Conta somente com 2 ten.-coronéis que sobrevivem bravamente no meio, mas que já contam com 40 anos de serviço ativo. Esse grupo, renascido das cinzas da extinta EOEIG, não participa do processo decisório. A casta hierárquica militar que decide, delibera e comanda unidades do meio ATC é, e continuará sendo por um longo tempo, composta de Aviadores e alguns poucos Engenheiros.
Há ainda um fato pouco discutido na mídia que gostaria de abordar. É notório que, nada irrita mais a autoridade Aeronáutica do que receber críticas aos produtos desenvolvidos pela empresa ESCA, "oops", digo, ATECH. Os controladores são proibidos de questionar a falta de eficiência e eficácia de tais sistemas de visualização radar, tratamento de planos de vôo ou a ferramenta para gerenciar vôos do CGNA que, conforme depoimento na CPI da Câmara já foi paga e nunca funcionou. A autoridade Aeronáutica não acata o clamor dos controladores por mudanças. Acredito que a justificativa para essa conduta se esconda atrás de interesses comerciais ambiciosos onde a Atech (Fundação?), figura como "ó-concour" nas licitações do provimento de sistemas de tráfego aéreo no Brasil e América Latina, em sistemas de simulação destinados às FFAA brasileiras, e, principalmente no bilionário "Projeto Espacial Brasileiro" com seu sonhado satélite geoestacionário. Falar mal do "produto Atech" poderia arranhar a imagem da Fundação e dificultar as pretensiosas prospecções de novos clientes que estão em curso no planeta e brevemente no espaço sideral.
Seria fácil concluir qual o papel do controlador de tráfego aéreo nesse contexto, se as autoridades se dignassem a responder uma só pergunta:
-"Quem é, dentro do ATC, o verdadeiro cliente da ATECH?"
Arriscaria dizer que é a Aeronáutica? Os oficiais comandantes? As empresas aéreas? Os pilotos? A Infraero? Os usuários do transporte aéreo? NÃO! Definitivamente e com convicção afirmo que, tendo em vista o manuseio, a responsabilidade de uso (civil e criminal), e a relação analista X usuário que, o cliente é o controlador de tráfego aéreo. Por regulamento (ICA 100-12 Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo) é ele quem define se a performance do equipamento está adequada à operação ou não. Ainda assim, curiosamente, além de não ser ouvido em seu "Órgão-Caserna" , não há sequer um telefone 0800 da ATECH-SAC para receber suas reclamações, nem serviço "pós-venda", tampouco o PROCON aceita denúncias contra a escandalosa e explícita propaganda enganosa que anuncia: "Comparável aos melhores Sistemas do mundo!"
Fiz um questionamento formal de 36 páginas que chegou às mãos do Comando da Aeronáutica em 16 de maio de 2001, sobre esse impasse crônico (pois perdura até hoje), assinado pelos 5 chefes de equipes de controladores do Controle de Aproximação de São Paulo, onde busquei das autoridades definição quanto ao cumprimento ou não da legislação e até hoje não houve resposta. Guardo ainda o original assinado e protocolado.
Para concluir, insisto que, ainda que doa no usuário, a operação degradada de segurança, prevista nos Modelos Operacionais é a mais prudente e o paliativo mais eficiente. Foram procedimentos exaustivamente testados e periodicamente treinados pelos controladores em simuladores no ICEA. Por certo que causaria atrasos nos vôos, mas só dessa forma a SEGURANÇA AÉREA estaria preservada, enquanto se busca uma solução para o caos. Com certeza as providências necessárias seriam aceleradas em consonância com o Plano de Crescimento anunciado pelo governo, na exata proporção do clamor, do desconforto do usuário de transporte aéreo e do altíssimo custo operacional para as empresas aéreas. Essa solução depende apenas da Aeronáutica reconhecer suas deficiências e permitir que seus comandados, subalternos, cumpram com seu dever.
Hoje os controladores de tráfego aéreo estão a trabalhar, com os mesmos recursos que trabalhavam em 29 de setembro de 2006 quando houve o acidente do GOL 1907. Hoje os controladores estão a trabalhar da mesma forma que em 17 de julho de 2007 trabalhavam os hábeis pilotos do TAM 3054, ou seja, forçados a descumprir regras estabelecidas em documentos regulatórios de pura conveniência.
Não creia que a atual calmaria represente o fim dos problemas. Na verdade essa falsa bonança nada mais é do que o "olho do furacão".
Enquanto não se restabelecer definitivamente a segurança no espaço aéreo brasileiro, minha Cara Jornalista, rogo que o Bom Deus Onipresente nos livre e guarde de todo o mal!
Um fraterno abraço.
Respeitosamente,
Mário Celso Rodrigues
ATCO de 1975 a 2005.

P.S. Minha fala expressa uma visão pessoal. Não sou membro ou filiado de associação classista, tampouco sindicalizado. E por estar convicto que meu posicionamento e minha visão crítica correspondem à realidade atual, estou postando cópia desta carta no grupo de discussão ATC (Yahoo Groups – Controle), tanto para submeter à apreciação dos colegas especialistas que o freqüentam, como para reafirmar meu compromisso de lealdade com você e com a Aeronáutica.


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